NOTA TÉCNICA REFERENTE ÀS NOVAS DEFINIÇÕES DE SEPSE E CHOQUE SÉPTICO EM PEDIATRIA – CRITÉRIOS DE SEPSE DE PHOENIX_CFO

NOTA TÉCNICA REFERENTE ÀS NOVAS DEFINIÇÕES DE SEPSE E CHOQUE SÉPTICO EM PEDIATRIA – CRITÉRIOS DE SEPSE DE PHOENIX

Contexto

Em janeiro de 2024, o JAMA publicou as novas definições de sepse e choque séptico em Pediatria (Critérios de Sepse de Phoenix). Este trabalho foi realizado por uma força tarefa organizada pela Society of Critical Care Medicine, com o apoio de diversas organizações e sociedades internacionais, incluindo o Instituto Latino Americano de Sepse. O documento final introduz um novo conceito de sepse para a população pediátrica (disfunção orgânica potencialmente fatal no contexto de uma infecção suspeita ou confirmada), assim como novos critérios diagnósticos (Escore de Sepse de Phoenix).

A força tarefa, composta por 35 profissionais de múltiplas áreas pediátricas, representando 12 países de 6 continentes, baseou a construção e validação dos Critérios de Sepse Phoenix em três estudos sequenciais e coordenados. Uma pesquisa global com 2.835 profissionais de saúde e uma revisão sistemática e metanálise forneceram dados para o desenvolvimento e validação dos critérios em um banco de dados multicêntrico e internacional, que incluiu mais de 3 milhões de atendimentos pediátricos. O processo de consenso Delphi modificado foi empregado para definir o modelo final, que inclui quatro disfunções orgânicas (respiratória, cardiovascular, coagulação e neurológica). Em todas as etapas do processo, foram incluídos e analisados dados de países de alta renda, bem como de países de baixa e média renda. Em qualquer local, com ou sem limitação de recursos, o Escore de Sepse de Phoenix mostrou-se capaz de identificar com maior precisão crianças com infecção e disfunção orgânica potencialmente fatal.

Os Critérios de Sepse de Phoenix definem SEPSE como disfunção orgânica potencialmente fatal no contexto de uma infecção suspeita ou confirmada, operacionalizada por meio de uma pontuação no Escore de Sepse de Phoenix de pelo menos 2 pontos. CHOQUE SÉPTICO representa um subconjunto de pacientes com sepse e disfunção cardiovascular, associado a uma maior taxa de mortalidade. O diagnóstico de CHOQUE SÉPTICO é estabelecido em crianças com sepse que apresentam pelo menos 1 ponto no componente cardiovascular do Escore de Sepse de Phoenix (ou seja, hipotensão grave para a idade, lactato sanguíneo >45 mg/dL, ou necessidade de medicação vasoativa).

Critérios de Consenso Internacional para Sepse Pediátrica e Choque Séptico (Escore de Sepse de Phoenix-4)*a

SEPSEInfecção suspeita ou confirmada e ≥ 2 pontos no Escore de Sepse de Phoenix
CHOQUE SÉPTICOSepse com ≥ 1 ponto Cardiovascular
Variáveis0 ponto1 ponto2 pontos3 pontos
Respiratório(0 a 3 pontos)PaO2:FiO2 ≥ 400 OUSatO2:FiO2 ≥ 292bPaO2:FiO2 < 400 com qualquer suporte respiratório OUSatO2:FiO2 < 292 comqualquer suporterespiratóriob,cPaO2:FiO2 100-200 e VMI OU SatO2:FiO2148-220 e VMI bPaO2:FiO2 < 100 e VMI OU SatO2:FiO2 <148 e VMI b
Cardiovascular(0 a 6 pontos)


Baseado na idadef      < 1 mês     1 a 11 meses     1 a < 2 anos     2 a < 5 anos     5 a < 12 anos    12 a < 17 anos

Sem DVAdLactato < 5mmol/L(< 45mg/dL)e
PAM, mmHgg> 30> 38> 43> 44> 48> 51
1 ponto para cada (até 3)1 DVAdLactato 5 – 10,9mmol/L(45 a 98mg/dL)e

17 – 3025 – 3831 – 4332 – 4436 – 4838 – 51
2 pontos para cada (até 6)≥ 2 DVAdLactato ≥ 11mmol/L(≥ 99mg/dL) e
< 17< 25< 31< 32< 36< 38
Coagulaçãoh(0 a 2 pontos)
Plaquetas ≥ 100×103INR ≤ 1,3Dímero D ≤ 2mg/LFibrinogênio ≥ 100mg/dL
1 ponto para cada (máximo 2 pontos)Plaquetas ≤ 100×103INR > 1,3Dímero D > 2mg/LFibrinogênio < 100mg/dL
NeurolÓgicoi(0 a 2 pontos)Glasgow > 10Pupilas reativasGlasgow ≤ 10jPupilas fixas bilateral

Abreviações: FEU, unidades equivalentes de fibrinogênio; VMI, ventilação mecânica invasiva; INR, razão normalizada internacional do tempo de protrombina; PAM, pressão arterial média; PaO2:FIO2, pressão arterial parcial de oxigênio em fração de proporção de oxigênio inspirado; SpO2, saturação de oxigênio medida por oximetria de pulso (apenas SpO2 de 97%); DVA, droga vasoativa.

* Os critérios de sepse de Phoenix NÃO se destinam à triagem precoce ou reconhecimento de possível sepse.

a A pontuação pode ser calculada na ausência de algumas variáveis (por exemplo, mesmo que o nível de lactato não seja medido e medicamentos vasoativos não sejam usados, uma pontuação cardiovascular ainda pode ser determinada usando a pressão arterial). A realização de testes laboratoriais e outras medições devem ser obtidos a critério da equipe médica com base no julgamento clínico. Variáveis não medidas não contribuem com pontos. As idades não são ajustadas para prematuridade, e os critérios não se aplicam a internações após nascimento, neonatos cuja idade pós-concepcional seja inferior a 37 semanas, ou aqueles com 18 anos de idade ou mais.

b A relação SpO2:FIO2 só é calculada se a SpO2 for 97% ou menos.

C A disfunção respiratória de 1 ponto pode ser avaliada em qualquer paciente que receba oxigênio, cânula nasal de alto fluxo, pressão positiva não invasiva ou suporte respiratório VMI, e inclui uma relação PaO2:FIO2 inferior a 200 e uma relação SpO2:FIO2 inferior a 220 em crianças que não estão recebendo VMI. Para crianças que recebem VMI

com PaO2:FIO2 menor que 200 e SpO2:FIO2 menor que 220, veja critério para 2 e 3 pontos.

d Os medicamentos vasoativos incluem qualquer dose de epinefrina, norepinefrina, dopamina, dobutamina, milrinona e/ou vasopressina (para choque).

e O intervalo de referência de lactato é de 4,5 a 18 mg/dL. O lactato pode ser arterial ou venoso.

f A idade não é ajustada para prematuridade e os critérios não se aplicam às hospitalizações ao nascimento, crianças cuja idade pós-concepcional seja inferior a 37 semanas, ou aqueles com 18 anos ou mais.

g Use preferencialmente a PAM medida (arterial invasiva, se disponível, ou não invasiva oscilométrico), e se a PAM medido não estiver disponível, uma PAM calculada (1/3 × sistólica + 2/3 × diastólica) pode ser usada como alternativa.

h Faixas de referência variáveis de coagulação: plaquetas, 150 a 450 × 103/μL; Dímero D, <0,5mg/L FEU; fibrinogênio, 180 a 410mg/dL. O intervalo de referência do INR é baseado no tempo de protrombina de referência local.

i O subescore de disfunção neurológica foi validado pragmaticamente em pacientes sedados e não sedados, e aqueles que recebem ou não VMI.

j A pontuação da Escala de Coma de Glasgow mede o nível de consciência com base em resposta verbal, ocular e motora (variação de 3 a 15, com uma pontuação mais alta indicando melhor função neurológica).

A publicação das novas definições de sepse e choque séptico pediátrico gerou questionamentos sobre como elas devem ser aplicadas nos protocolos de sepse. É importante ressaltar que os novos Critérios de Sepse de Phoenix não necessariamente implicam em modificações nas recomendações da Campanha Sobrevivendo à Sepse nem nos protocolos institucionais de sepse, uma vez que foram desenvolvidos e validados para identificar crianças com infecção e alto risco de óbito, funcionando como um escore preditivo. Portanto, algumas considerações devem ser feitas:

  1. O escore foi desenvolvido e validado para identificar com maior precisão crianças com infecção e disfunção orgânica potencialmente fatal. Trata-se de um escore PREDITIVO;
  2. O Escore de Sepse de Phoenix NÃO foi concebido para ser utilizado como uma FERRAMENTA DE TRIAGEM PRECOCE. O reconhecimento oportuno e preciso da sepse ainda requer o desenvolvimento de ferramentas de triagem capazes de identificar com precisão razoável e alta sensibilidade pacientes em risco;
  3. Os critérios de SRIS não foram incluídos, mas continuam tendo valor na prática clínica para avaliar a presença de infecção. Ressaltamos que reconhecer e confirmar a infecção continua sendo um desafio;
  4. O escore NÃO foi desenvolvido e validado para sepse no contexto de infecção relacionada à assistência à saúde;
  5. O Escore de Sepse de Phoenix não especifica que a disfunção orgânica deva ser nova. A disfunção crônica de órgãos pode indicar aumento do risco de mortalidade ao ser menos responsiva aos tratamentos agudos para sepse;
  6. Algumas disfunções, como renal, hepática, endocrinológica e hematológicas não foram incluídas no modelo final do escore com quatro disfunções orgânicas, visando à simplicidade e à menor necessidade de coleta de exames laboratoriais. No entanto, é fundamental ressaltar que todas as disfunções são importantes e que as disfunções orgânicas não incluídas no escore podem necessitar de suporte;
  7. De acordo com os novos critérios de sepse e choque séptico em Pediatria, a disfunção orgânica pode estar restrita ao sítio primário de infecção (menor mortalidade) ou ser remota ao sítio primário de infecção (maior mortalidade);
  8. Os níveis de lactato para pontuação no componente cardiovascular do escore são muito elevados, assim como os níveis de pressão arterial média são muito baixos. É importante destacar que o escore NÃO foi desenvolvido para determinar o início do tratamento da criança com sepse.

Interface das novas definições de sepse e choque séptico em Pediatria com as recomendações da Campanha Sobrevivendo à Sepse e com os protocolos institucionais

Entendemos que, neste momento, não há necessidade de modificação nos fluxos de tratamento utilizados pelo ILAS pelas razões abaixo listadas. Este posicionamento poderá ser revisto caso a Campanha Sobrevivendo à Sepse venha a modificar os pacotes de tratamento.

  1. O tratamento da criança com sepse deve ser iniciado mediante suspeita clínica e de acordo com o protocolo institucional, antes mesmo da confirmação do diagnóstico por meio do Escore de Sepse de Phoenix.
  2. O Fluxograma sugerido pelo ILAS para triagem de pacientes com sepse baseia-se na presença de disfunção orgânica ou critérios de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SRIS), com alta sensibilidade baseada na enfermagem. Entretanto, o seguimento do protocolo e, consequentemente, a administração ou não de antimicrobianos, depende da avaliação médica onde a especificidade é fundamental. No fluxograma, uma das perguntas-chave é sobre a presença de foco suspeito ou confirmado. Pacientes sem foco suspeito devem ser imediatamente excluídos do protocolo, atendendo à recomendação de não administrar antimicrobianos a pacientes com baixa probabilidade de sepse. 
  3. Pelo nosso fluxograma atual, em pacientes com disfunção orgânica e foco suspeito ou confirmado, quer tenham ou não hipotensão, o protocolo deve ser mantido, com coleta de exames e administração de antimicrobianos dentro da 1ª hora. 
  4. Por outro lado, pacientes cujo protocolo foi iniciado com base apenas nos critérios de SRIS, sem disfunção orgânica clinicamente aparente, podem não ter sepse mesmo tendo foco suspeito ou confirmado. No nosso atual fluxograma, somente em pacientes com fatores de risco elevado para sepse, por exemplo, lactentes jovens, pacientes com doenças malignas, pacientes em uso de terapia imunossupressora e pacientes com história de hospitalização recente, ou quando há preocupação com o quadro clínico, deveria haver seguimento do protocolo com coleta de exames, observação clínica e administração de antimicrobianos. Assim, o protocolo deve ser encerrado e o atendimento deve ser continuado, com o objetivo de avaliar se existe realmente presença de infecção ou sepse (disfunção laboratorial). Este seguimento deve ser rápido, idealmente dentro de 3 horas. Entendemos que é necessário maior rigor na contínua avaliação da terapia com o objetivo de suspensão de antimicrobianos caso a sepse não seja confirmada. Assim, em pacientes onde se opte pelo seguimento do protocolo com coleta de exames e administração de antimicrobianos é importante suspender os antimicrobianos caso não se confirme a presença de infecção. Da mesma forma, durante toda a condução do caso, sempre se deve considerar a suspensão de antimicrobianos caso a hipótese de infecção/sepse seja afastada. 
  5. Em relação à reposição volêmica e uso de terapia com aminas vasoativas, o ILAS já considerava adequada a individualização do tratamento, desde que devidamente registrada em prontuário a razão para esta individualização. 
  6. Mesmo não tendo sido desenvolvido e validado para sepse no contexto de infecção associada à assistência à saúde nem no contexto de disfunções orgânicas crônicas, sugerimos que o Escore de Sepse de Phoenix deve ser usado nestes pacientes de maneira judiciosa.

Esperamos ter contribuído para o esclarecimento de nossos parceiros e continuamos contando com a colaboração de todos. Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.

Comitê de especialistas:
Daniela Carla de Souza
Claudio Flauzino
Vanessa Soares Lanziotti

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