NOVO BUNDLE DE 1 HORA: PROS E CONTRAS NA VISÃO DO
INSTITUTO LATINO AMERICANO DE SEPSE

Em abril de 2018, autores ligados a Campanha de Sobrevivência a Sepse (CSS) publicaram na Intensive Care Medicine e, a seguir, no site da Campanha, a atualização dos pacotes de tratamento da sepse. Nessa publicação, basicamente, se extinguiam os pacotes de 3 e 6 horas, criando-se um novo pacote, de 1 hora. Os componentes desse pacote reproduziam aqueles do pacote de 3 horas, a saber, coleta de lactato, coleta de hemoculturas, administração de antimicrobianos e de volume aos pacientes com indicação. Entretanto, trazia-se para a primeira hora o início do vasopressor, item pertencente anteriormente ao pacote de 6 horas. Os demais componentes do pacote de 6 horas, nova coleta de lactato para os pacientes com hiperlactatemia inicial, agora deve ser colhida em 2 a 4 horas, portanto, embora mencionada no novo pacote de 1 hora, não faz parte do mesmo.
Já a reavaliação do status volêmico e de perfusão do paciente em choque foi extinta. Os autores deixam claro que se deve iniciar a ressuscitação hemodinâmica na primeira hora mas não necessariamente todas as medidas precisariam estar completas neste período.


Alguns aspectos desta atualização são bastante positivos. Há, entretanto, pontos de difícil implementação na prática e pontos, a nosso ver, negativos. Para o entendimento pleno das mudanças que agora vemos é importante conhecer alguns detalhes da organização da CSS. A Campanha, iniciativa das sociedades europeia e americanas de terapia intensiva (European Society of Intensive Care Medicine- ESICM e Society of Critical Care Medicine – SCCM), é composta por dois núcleos interligados, mas distintos. O grupo que gera as recomendações tem participação de diversas sociedades mundiais, incluindo o ILAS desde a versão de 2008. Já o grupo que gera os pacotes tem foco na realidade do sistema de saúde americano, o que não necessariamente se aplica aos sistemas de saúde de outros países.


O principal ponto positivo do novo pacote é a velocidade. Imprime-se ao atendimento do paciente com sepse um senso de urgência necessário ao atendimento. Mesmo em países com recursos limitados, que podem ter dificuldades em obter aderência ao novo pacote, a mensagem a ser passada é clara: sepse é uma urgência e devemos atendê-la como tal. As medidas devem ser iniciadas rapidamente, assim que se reconhece o paciente como possivelmente séptico.

Outro ponto positivo é finalmente a compatibilização com as diretrizes da CSS. O novo pacote atende as diretrizes já
delineadas, visto que já se recomendava claramente o alvo de uma hora para a administração de antimicrobianos. Como a recomendação era a coleta de culturas antes dessa administração, estava implícita a expectativa dessa coleta nesse intervalo de tempo. Por essa razão, por exemplo, nos programas de qualidade norteados pelo ILAS a aderência já era dada apenas quando a administração da antimicrobianos ocorria na primeira hora.

Entretanto, tanto a coleta de culturas quanto a administração de antimicrobianos faziam parte do pacote de 3 horas. Assim, o Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS) nos Estados Unidos, em seu programa Sep – 1 usado para avaliação da adequação de tratamento e reembolso dos hospitais americanos, entendia que a adequação se dava mesmo se essas medidas fossem tomadas em até 3 horas. Ou seja, dentro do programa de qualidade americano a mudança dos pacotes traz novos desafios. Já para os hospitais brasileiros, que fazem parte da rede ILAS, o desafio já existe há algum tempo.


Há, entretanto, fatores importantes geradores de confusão e de difícil implementação. Nem sempre o paciente está hipotenso no momento da instalação do quadro séptico. Faz-se necessário, nessas situações, criar dois momentos zeros. O momento inicial de abertura do protocolo pela presença de suspeita de sepse para pacientes sem hipotensão e, nos casos em que a hipotensão sobrevém posteriormente, um novo momento zero, no início da mesma. É a partir desse momento que a reposição volêmica deve ser iniciada. Já para o uso de vasopressor, do ponto de vista
prático, não há como definir seu inicio dentro de uma hora pois a indicação é altamente dependente da resposta inicial do paciente.


Há também pontos claramente negativos. A extinção do pacote de seis horas traz como potencial efeito deletério a perda de seguimento do paciente. Dificuldades na aferição da aderência a esse indicador nos Estados Unidos podem ter influenciado a decisão de sua extinção, visto que o CMS adotou uma forma radical de aferição. A nova coleta de lactato para os pacientes com hiperlactatemia inicial e a reavaliação do status volêmico e de perfusão dos pacientes em choque faziam parte desse pacote.
Essa reavaliação é importante, pois é a partir dela que novas condutas são tomadas. Além disso, do ponto de vista de
melhoria de qualidade, percebe-se claramente a vantagem de manter a equipe multiprofissional atenta ao paciente grave, com choque ou hiperlactatemia inicial. Uma das críticas prévias aos pacotes era exatamente o foco excessivo nas horas iniciais, com perda da linha de cuidado e do seguimento do paciente. Ao focar apenas na hora inicial de atendimento o risco de perda de seguimento pode se acentuar. A reavaliação do lactato permanece como um item a ser incluído no seguimento, em 2 a 4 horas após a coleta inicial. Entretanto, pode haver risco de desvalorização desse item ao se desvincular de um pacote.
Tendo em vista esses pontos, o ILAS, em seu programa de melhoria de qualidade, optou por adotar o novo pacote de 1 hora, com ressalvas.

Administração de antimicrobianos – não houve mudanças pois já utilizávamos uma hora.

Coleta de hemoculturas – na prática não houve mudanças, pois a mesma deve ser feita antes da administração de
antimicrobianos. Entretanto, passaremos a adotar o limite rígido de uma hora ao invés de 3 horas.

Coleta de lactato – embora a aderência fosse formalmente dada para exames colhidos em até 3 horas, a recomendação já era para coleta na primeira hora. Entretanto, passaremos a adotar o limite rígido de uma hora.

Administração de fluidos nas situações pertinentes – adotaremos o início da hipotensão ou o momento da coleta do
exame que identificar a hiperlactatemia como tempo zero para início da reposição volêmica.

Uso de vasopressor – entendemos não ser factível a definição da necessidade de início em uma hora, pois a indicação irá depender da resposta de cada paciente a reposição volêmica inicial.

Coleta de segundo lactato – entendemos ser fundamental a manutenção do indicador, que passa a ter como tempo limite 4 horas, como sugerido pelo novo pacote.

Reavaliação do status volêmico e de perfusão dos pacientes em choque – entendemos como fundamental a manutenção do indicador como forma de manter a atenção da equipe no paciente. Assim, o mesmo será mantido, com limite de 6 horas para ser completado.


Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais,


São Paulo 22 de maio de 2018
Diretoria do Instituto Latino Americano de Sepse

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